Qual é a ocasião ideal para usar uma camisa de time? Esse é um debate que, por mais que pareça superficial e banal, vem tomando grandes proporções nos últimos tempos, principalmente nas redes sociais. Um lado defende que qualquer situação é apropriada, afinal, tal vestimenta hoje é quase um item de grife. Outros defendem que, apesar do preço, existem situações específicas para usá-las. Mas o fato é que é praticamente impossível sair na rua e não se deparar com alguém com a peita de algum clube ou seleção, seja brasileiro ou europeu.
A camisa de time é uma forma de identificação não só com o clube, mas também com uma comunidade. O uso da camisa é um jeito de expressar a sua paixão e uma maneira de se sentir parte de um grupo, de se identificar com outros e de mostrar orgulho e apoio ao time ou ao seu meio. Além disso, a camisa de time muitas vezes representa mais do que apenas o esporte em si, mas também a cultura local e regional, a história e a tradição da região.
Mas a camisa de time também é um item de moda e estilo, especialmente entre os jovens. Você não precisa saber quem é o atacante da Fiorentina para vestir aquela tradicional camisa roxa, muito menos ter frequentado La Bombonera para usar uma do Boca Juniors, ou ter antepassados franceses na família para vestir a 10 do Mbappé.
A cultura de usar camisa de time em ambientes não necessariamente futebolísticos é um hábito que, no Brasil, nasceu nas periferias e, como tudo que tem essa origem, foi mal visto e desvalorizado no início. A camisa de time, a correntinha no pescoço, um óculos e o boné pra trás fazem parte do kit street para dar um rolê na quebrada. É mais do que comum ver as peitas dos clubes brasileiros e das grandes potências europeias em meio aos bailes funks e em shows de Rap ou de Trap, inclusive com os próprios artistas ostentando a vestimenta. Com o tempo, as camisas passaram a fazer parte do dia-a-dia da população, a ponto de outras partes da sociedade aceitarem e, no fim, até se apropriarem dessa cultura.
E foi aí que essa história ganhou novos rumos. Essa aceitação da moda de camisas de time deu espaço para as grandes marcas e fornecedoras esportivas aumentarem ainda mais os preços dos seus produtos.
Nesta semana, por exemplo, a Adidas anunciou que os clubes brasileiros que patrocina (Atlético-MG, Flamengo, São Paulo e Internacional) terão um reajuste de preços e que suas camisas passarão a custar R$400 no meio do ano. Quatrocentos reais. Isso significa que o trabalhador brasileiro que ganha um salário mínimo terá que guardar mais de 30% dele se quiser vestir uma camisa oficial do seu clube do coração. A tendência é de que outras grandes marcas, como Nike e Puma, também aumentem seus preços daqui a um tempo. A título de curiosidade, uma camisa oficial de um clube na Alemanha custa em média €60, o que não corresponde nem a 4% do salário mínimo de lá.
E assim, com os produtos sendo inacessíveis para toda uma classe, criou-se um mercado paralelo. A pirataria movimenta muito dinheiro no mercado de camisas de futebol, fazendo essa pauta ficar cada vez mais forte. Segundo levantamento feito pelo Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), em 2020, a cada dez uniformes de time vendidos no país, quatro são piratas. O estudo ainda mostra que a falsificação fez com que os clubes de futebol deixassem de lucrar mais de 2 bilhões de reais naquele ano. Mesmo assim, nem os clubes, nem as marcas pensaram soluções concretas para terem produtos mais acessíveis.
Em resumo, o uso da camisa de time no Brasil é uma mistura de paixão, identidade, cultura e estilo. É algo com raízes nas periferias e que posteriormente foi apropriado por classes mais privilegiadas, virando um verdadeiro item de ostentação, o que fez o acesso pelas camadas mais populares ser dificultado. Em um dos episódios do Subculturas, fomos conversar com uma galera que entende bem disso para entender melhor essa história, se liga:
As grandes marcas e a maioria dos clubes não trabalham com uma visão social de acessibilidade de seus produtos, e com isso o mercado paralelo se organiza. Mas, apesar das dificuldades, essa cultura sobrevive, porque muito antes de virar uma “moda elitizada”, já se jogava bola na favela com os pés descalços e a 10 de Ronaldinho nas costas.