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27 de mai. de 2023

Por que o título do Napoli é uma vitória contra o racismo e a xenofobia

Após um jejum de 33 anos, o Napoli venceu o Scudetto e se colocou novamente no topo da Itália. Mas essa vitória é muito mais que um simples troféu a mais na prateleira de um clube.

por

Artur Magalhães

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A região norte da Itália sempre foi mais privilegiada em relação à região sul. O norte se industrializou primeiro, é uma área mais rica, mais urbana e é onde ficam concentradas as melhores oportunidades de emprego. Enquanto isso, a região sul é mais rural e tem um grande histórico de êxodo para outras partes do país. Como uma área portuária, o sul italiano também está em contato frequente com pessoas de diferentes lugares e costumes, recebendo influência de imigrantes vindos da África, da Ásia e do Oriente Médio e se transformando em um caldeirão cultural.


Mas as diferenças políticas, sociais, culturais e principalmente econômicas entre os dois polos criou uma “disputa” de espaços que, por parte do norte, toca em questões delicadas como xenofobia e racismo.


TRADICIONAIS RUAS DE NÁPOLES COM VARAIS E BANDEIRAS. GE/GETTY IMAGES


Mas e o Napoli nessa história?


Até o fim dos anos 80, o clube nunca havia conquistado um título italiano. Um time pobre do sul do país não conseguia competir com os poderosos Milan, Inter e Juventus, do rico norte. Além da questão financeira, os napolitanos eram constantemente vítimas de preconceito, porque para muitos italianos do norte os sulistas eram pessoas sujas e “porcas” pelas condições históricas e estruturais da região, mas também pela grande influência de imigrantes do hemisfério sul na cultura local.


Uma das maiores ofensas contra o italiano sulista, por exemplo, é o termo “terroni”. A origem disso seria uma antiga “piada” muito popular no país. Nela, um habitante do sul encontra uma banheira em uma viagem ao norte e, desconhecendo sua função, a enche de terra para criar uma horta ao invés de usá-la para o banho. Assim, o termo “terroni”, de terra, passou a significar alguém “ignorante” e “sujo”.


SPAZIO NAPOLI


Em 1984, essa briga ganharia um personagem importante: Diego Armando Maradona. O argentino, que havia sido vítima de racismo na Catalunha e teve que enfrentar os gritos de “sudaca” vindos da arquibancada, logo se encontrou e se identificou com a realidade vivida pelos napolitanos. Na sua estreia na Série A, ele entendeu bem como funcionava tudo por lá:


“Eles nos saudaram com uma faixa que me ajudou a entender imediatamente que a batalha que o Napoli enfrenta não era apenas sobre futebol. ‘Bem-vindo à Itália’, dizia ela. Era Norte contra Sul – os racistas contra os pobres”.

Nos estádios do norte do país, era e ainda são comuns os cânticos e bandeiras chamando Nápoles de “Cidade da Cólera”, dizendo que os napolitanos “precisam de um banho”, que “não conhecem sabonete” e homenageando o Vesúvio, o vulcão da cidade que já entrou em erupção no século passado e acabou com territórios da região.


EM 2014, EM JOGO CONTRA O NAPOLI, A TORCIDA DO BOLOGNA EXIBIU UMA FAIXA COM A MENSAGEM: "VAI SER UM PRAZER QUANDO O VESÚVIO FIZER O SEU DEVER". LA GAZZETTA DELLO SPORT/ANSA


Em anos inesquecíveis, Maradona conquistou o primeiro e o segundo títulos de Campeonato Italiano do clube, ganhou uma Supercopa da Itália, uma Taça da Itália e uma UEFA Cup. Ele, um jogador latino, colocou pela primeira vez na história o sul da Itália como protagonista nacional e continental. Diego virou divindade na cidade e tem sua imagem espalhada nas paredes, nas bandeiras, nas faixas, nas esculturas e seu nome no Estádio Diego Armando Maradona.


“Eu quero me tornar o ideal para as crianças pobres de Nápoles, porque elas são exatamente como eu era em Buenos Aires.”

Fomos para Nápoles entender mais dessa relação dos napolitanos com o Maradona e mostramos tudo nesse minidocumentário:



Agora, após 33 anos, o Napoli volta a vencer o Scudetto e a fazer história. É o primeiro título de expressão napolitano desde a Era Maradona. Para ser uma conquista ainda mais simbólica, o clube do marginalizado sul do país conquistou a liga tendo um jogador africano, Victor Osimhen, como artilheiro e protagonista.


O título do Napoli é muito mais que um título. No contexto social e político que atravessa a Itália e a Europa, a taça do Napoli é um grito de reivindicação, e o futebol se mostra mais uma vez um instrumento de potencialização da resistência.


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