
No primeiro semestre de 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, uma união de fatores estruturais e climáticos resultou em uma crise energética no Brasil, afetando principalmente as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Uma das primeiras medidas do governo foi mudar o comando da Câmara de Gestão da Crise de Energia, que ficou conhecido como “Ministério do Apagão” e ficou responsável pelas medidas de racionamento de energia e pelos blackouts programados.
A primeira resolução da câmara, em maio, além de cortar a iluminação pública em 35%, proibiu a realização de jogos de futebol durante a noite, afirmando que era um gasto de energia supérfluo e esse período ficou marcado por alguns momentos curiosos.

FHC fazendo um discurso nacional na TV aberta sobre as medidas de racionamento de energia em 2001 (Foto: Antonio Scorza)
Quando virou programa da tarde, o futebol brasileiro já passava por um momento difícil
A proibição pegou a CBF e os dirigentes de surpresa, mas naquele contexto essa era a menor das preocupações. No mesmo período, o futebol brasileiro passava pela maior investigação da sua história até o momento: a CPI do Futebol, que explorava o contrato de 160 milhões de dólares da Nike com a Seleção Brasileira e indiciava 17 pessoas por diferentes infrações, incluindo o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e o Deputado Federal e presidente do Vasco, Eurico Miranda.

Ronaldo durante seu depoimento na CPI do Futebol em 2001 (Reprodução)
A Globo e a Traffic, que disputavam comercialmente e possuíam os direitos de transmissão dos principais campeonatos, estavam entre os mais preocupados com a mudança do horário dos jogos e com o pouco tempo para pensar em novas estratégias. Além disso, a nova realidade bagunçava um calendário que já era famoso pela desorganização: os clubes brasileiros participavam de um acúmulo de competições, como a Copa dos Campeões e a Copa Mercosul, enquanto o Campeonato Brasileiro voltava para os braços da CBF depois dos problemas judiciais que resultaram na famosa Copa João havelange, em 2000.
Sem mais opções, a crise deu início à era dos geradores
O apagão de 2001 mudou a realidade de um mercado que até aquele momento era pouco lembrado no Brasil: as fornecedoras de geradores. A partir da proibição do governo, apenas estádios que possuíssem geradores poderiam manter os jogos à noite, mas essa era uma realidade distante para a maioria dos clubes por conta dos valores. A solução passou a ser alugar os geradores, mas o mercado não estava preparado para a demanda e alguns clubes tinham que ficar na fila.
Na época, segundo a Folha de São Paulo, se o São Paulo Futebol Clube quisesse comprar geradores para iluminar o Morumbi, por exemplo, o material custaria cerca de 1 milhão de reais, somados a 200 mil para a instalação. Já para alugar, o custo por jogo ficava em torno de 35 mil reais.
O primeiro apagão na era dos geradores aconteceu no Estádio Santa Cruz, na partida entre Botafogo de Ribeirão Preto e São Paulo pelo Campeonato Brasileiro.
BOTAFOGO-SP 2x2 SÃO PAULO - Campeonato Brasileiro Série A 2001 - Globo Esporte
A crise energética está ligada a mais momentos do que você imagina
A final do Campeonato Carioca de 2001 entre Flamengo e Vasco, marcada pelo gol histórico de falta do Petkovic nos acréscimos, por exemplo, teve os dois jogos começando às 15:00 por conta do racionamento de energia.
Partidas internacionais também foram disputadas em horários difíceis de imaginar, como o confronto entre Vasco e Boca Juniors pela Libertadores que rolou às 15:00 de uma quarta-feira porque os dirigentes vascaínos não conseguiram alugar os geradores a tempo. Naquele jogo, o Vasco perdeu uma invencibilidade de 20 jogos, que seria a maior do clube no século até 2016.

Romário, lesionado, assiste ao jogo entre Vasco e Boca Juniors (Foto: Vanderlei Almeida)
No mesmo ano, a Copa América seria disputada na Colômbia, mas o contexto político do país na época dificultou a situação. Os colombianos enfrentavam décadas de violência no conflito interno envolvendo o Governo, a polícia, o exército, o narcotráfico, grupos paramilitares e guerrilheiros, principalmente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC.
As condições de segurança preocupavam todas as federações e, enquanto o presidente tentava convencer as delegações a viajarem pra Colômbia, o vice-presidente da Federação Colombiana de Futebol e Coordenador da Copa América, Hernán Mejía Campuzano, foi sequestrado pelas FARC junto com outras 20 pessoas, duas semanas antes do início da competição.
A CONMEBOL decidiu suspender o torneio, irritando os patrocinadores e donos dos direitos de transmissão. Com isso, outros países decidiram se oferecer para sediar o campeonato, incluindo o Brasil, mesmo em meio à crise. A ideia é que todos os jogos fossem disputados no Sul, já que a região era a única que tinha escapado dos decretos de racionamento. No fim, a Copa América foi confirmada na Colômbia e ficou marcada como a edição mais desastrosa do torneio, como relembramos neste Radar Peleja aqui.

Segurança durante a Copa América de 2001, na Colômbia (Foto: Luiz Acosta)
Para a Seleção Brasileira, uma exceção mais do que especial
Durante todo o período do apagão, o governo só abriu exceção do decreto para um jogo: o dramático confronto entre Brasil e Venezuela pela última rodada das Eliminatórias da Copa de 2002.
A campanha da Seleção era desastrosa e, em 2001, o time comandado por Felipão já tinha perdido para a Bolívia, Argentina, Uruguai e Equador. Com o pior aproveitamento da história e em crise, as chances de ficar de fora da Copa eram reais e a classificação dependia de uma vitória contra a Venezuela no último jogo.
O Maranhão, que iria receber o jogo, inicialmente não fazia parte dos estados afetados pelo racionamento, mas passou a fazer parte em agosto. Mesmo assim, por articulações políticas e também buscando apoio do povo, a CBF decidiu manter o jogo na cidade. O governo do Maranhão deixou claro que não tinha geradores capazes de iluminar toda a estrutura do Castelão, o que deu origem a um pedido especial para a Agência Nacional de Energia Elétrica para abrir uma exceção para a partida.
Com o pedido atendido, diante de um Castelão lotado e incendiado, o Brasil venceu o jogo por 3 a 0 e garantiu a classificação aos gritos de “daqui do Maranhão, a Seleção vai pro Japão”. Foi dali que o Brasil iniciou a sua recuperação para conquistar o penta em 2002, mas o time nunca mais voltou ao estado para agradecer o carinho dos maranhenses, que há duas décadas esperam uma luz no calendário da CBF.
