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8 de ago. de 2023

Por que essa jogadora teve que provar que é mulher

A polêmica medição de hormônios no esporte feminino quase deixou uma atleta fora da Copa do Mundo, e escancara uma realidade sobre o trato com atletas africanas.

por

Pedro Brienza

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Barbra Banda é uma estrela. Com apenas 23 anos, ela foi a primeira jogadora de Zâmbia a fazer 3 gols em uma Olimpíada e também a primeira mulher do país a se tornar jogadora profissional de futebol.


Depois de se destacar frente ao mundo durante a competição em Tóquio, todos esperavam mais apresentações de alto nível durante a Copa Africana de 2022. Mas a maior estrela da seleção zambiana foi barrada pela Confederação de Futebol Africano por ter “níveis altos demais de testosterona”.


BARBRA BANDA EM AÇÃO PELA SELEÇÃO DE ZÂMBIA. FOTO: PABLO MORANO/GETTY IMAGES


Apesar da decisão da Confederação ser uma surpresa, as discussões sobre a questão hormonal no futebol feminino não eram. Segundo a BBC, Banda faz tratamento controlado da própria testosterona justamente para se manter dentro das regras da FIFA. O que causou o mal-estar foi a falta de critério para esse tipo de situação visto que, de acordo com a Federação Internacional, ela estaria apta.


Diferente da CAF, que exige testes considerados invasivos antes de qualquer competição, a FIFA só realiza esse tipo de teste no caso de alguma denúncia de doping, porque considera que os níveis hormonais em mulheres de diferentes etnias variam de forma natural; além disso, exames regulares são considerados um constrangimento desnecessário.


E as polêmicas sobre o nível de testosterona no esporte feminino não acontecem só no futebol. O caso mais emblemático é o da recordista mundial sul-africana Caster Semenya, que possui uma condição classificada como Diferença de Desenvolvimento Sexual (DSD) e, por isso, tem os seus níveis de testosterona alterados. No caso da Semenya, ela chegou a ser barrada pela Corte de Arbitragem do Esporte (CAS) de participar de competições femininas na sua categoria.


A CORREDORA CASTER SEMENYA CHEGOU A SER PROIBIDA DE COMPETIR PELOS ALTOS NÍVEIS DE TESTOSTERONA. FOTO: ATHIT PERAWONGMETHA/REUTERS


Mas a discussão sobre “vantagens naturais” de atletas africanos e afrodescendentes transcende as questões de gênero e também aparece no esporte masculino, inclusive na opinião pública. Em 2023, surgiu um rumor que questionava a idade de Youssoufa Moukoko, que é alemão descendente de camaroneses e, com apenas 18 anos, é titular do Borussia Dortmund e integrante da Seleção Alemã. Na época, um escândalo na Seleção Camaronesa sub-17 inflamou ainda mais essa história: 32 dois jogadores foram identificados como acima da idade dos seus documentos – os populares “gatos”. Em 2016, algo parecido aconteceu com a Seleção Nigeriana.


A comparação desses casos, que foram identificados e punidos, com a situação de Moukoko e outros jogadores africanos que com frequência são alvos dessas desconfianças tem raiz em um problema histórico: racismo.


Em 2021, uma conta no Twitter montou duas escalações e perguntou quem venceria. Para os olhares mais atentos, chamou a atenção o fato de, no lado Pace and Power (ritmo e poder/força) estarem apenas jogadores negros. No time dos atletas técnicos, 9 brancos. A divisão ilustra o estereótipo de que as qualidades dos jogadores pretos são, basicamente, força e velocidade, enquanto o talento com a bola e características como inteligência são logo associados aos atletas brancos.



Dois anos antes, o jornalista alemão Felix Tasmut fez uma coletânea sobre a história de Bakery Jatta, um refugiado jogador do Hamburgo que sofreu racismo explícito da mídia enquanto a sua “verdadeira identidade" era questionada. O caso foi tão emblemático que um grupo de Ultras do maior rival do Hamburgo foi a público defender o jogador.


Os estereótipos e as "desconfianças" são constantemente colocados à mesa em casos de atletas negros que se destacam, e a forma como atletas africanos, principalmente mulheres, são tratados por “órgãos oficiais” e pela imprensa escancara discussões e discursos preconceituosos que são reproduzidos todos os dias em diversas esferas da sociedade.


No caso da Barbra, ela conseguiu a liberação para disputar a Copa, entrou em campo pela Zâmbia, fez um dos gols da histórica vitória contra a Costa Rica e representou o país que tem nela uma figura de referência para as gerações de meninas nas próximas décadas, apesar de todas as barreiras para se chegar até ali.



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