
Holofotes ligados, arquibancadas cheias e uma bateria sonoramente empolgante. O clima é de jogo. O setor da Mercado Livre Arena Pacaembu que foi liberado para o público, completamente lotado. Os ingressos foram distribuídos gratuitamente e esgotaram-se em minutos. Aproximadamente 6 mil pessoas saíram de suas casas para entender melhor na prática como moda e futebol se conectam em vários aspectos.
O encerramento da edição nº 59 do São Paulo Fashion Week (SPFW) aconteceu na última sexta-feira (11), e a marca brasileira Piet foi a responsável pela cerimônia, que aconteceu no icônico estádio do Pacaembu. E o PELEJA colou lá, a convite da Puma.
Pedro Andrade, diretor criativo da marca, apresentou no gramado de um dos mais importantes templos do futebol nacional a coleção “Farmers League”, que representa um olhar nostálgico e crítico da história do futebol, e da relação do brasileiro com esse esporte.
Com criações que contemplam as origens na moda de rua que a marca possui, além da escolha de Marcelo D2 e seu rap incisivo para a trilha sonora, a experiência foi uma mostra de como a moda pode ser um espaço mais democrático.
“Democratização”, aliás, é um termo latente na entrega da Piet para o encerramento da semana de moda de São Paulo. Segundo o próprio Pedro, isso acontece por meio do acesso à informação e ao conhecimento. Essa afirmação é uma ruptura precisa da ideia elitista de que o universo fashion e a cultura popular não se misturam.

Pedro Andrade, diretor criativo da Piet (Foto: Felipe Costa/PELEJA)
A inspiração por trás da Farmers League
Você se lembra de quando chegava em casa após uma tarde chutando bola na rua? Com o cabelo desarrumado e a roupa marcada, como se tivesse acabado de voltar de uma guerra? - e se fosse valendo um refrigerante de cola, a entrega era semelhante à uma batalha mesmo.
Essas memórias são revisitadas no desfile, através das estampas nas peças, das maquiagens e dos penteados. Momentos icônicos do esporte também são relembrados, como o pênalti perdido por Baggio em 1994, a polêmica foto de Ronaldinho ao lado de Adiel, segurando uma arma na concentração para um jogo do mundial sub-17, em 1997.

Fotos: Will Dias/Brazil News/Elas no Tapete Vermelho
Além de uma estampa com a escrita “Por que sempre eu?”, em referência a Mario Balotelli, porém, com uma tipografia que remete a outro momento e outro jogador: o imperador Adriano com a frase “Que Deus perdoe essas pessoas ruins”.
Os desenhos, que carregam um traço infantil, são de autoria do artista grego Apostolis Dimitropoulos, e remetem à essa memória da infância que está intrínseca à vivência do brasileiro, direta ou indiretamente.

O desfile apresentou a coleção “Farmers League” (Foto: Felipe Costa/PELEJA)
A estética é um elemento presente em ambos os universos e, por si só, é capaz de ser uma plataforma que permite que diferentes grupos sociais afirmem suas identidades, valores e demandas políticas. É inevitável dizer que esse é um ótimo mecanismo de protesto e posicionamento. Pedro faz isso ao usar símbolos e significados que resgatam a memória quase visceral que o brasileiro tem de sua relação com o esporte.
— Tudo que é comportamento e cultura em algum momento vai ser representado dentro da moda. E essa é a vez do futebol. Quando a gente fala de streetwear [moda de rua], está sempre muito atrelado ao esporte e ao conforto — explicou o stylist Raphael Pereira, diretor criativo e apaixonado por futebol, em um papo com o PELEJA após o desfile.
Brasil no centro
Raphael explica que já aconteceram diversos momentos importantes dentro desse movimento de união entre moda e esporte, representados ou por um atleta, ou por algum comportamento dentro do esporte. Só que isso sempre foi muito americanizado, seja através do basquete, do futebol americano, beisebol, etc.

O desfile encerrou a 59ª Semana de Moda de São Paulo (Foto: Felipe Costa/PELEJA)
— A gente vê hoje em dia um comportamento global de descentralização dessa cultura americana. Hoje, o Brasil também já é uma certeza dentro desse cenário. A gente tem nossa própria cultura sendo vista pelo mundo inteiro, além de ser um momento que a gente tem de olhar para dentro do que sempre fizemos, do que a gente sempre consumiu e do que faz parte da nossa história, e trazer isso para o comportamento, para a roupa que a gente usa…
— Chegou a hora de representar isso no fashion, então também traz uma nostalgia não só de nós brasileiros, que vivemos isso mais do que ninguém no mundo, mas também mundo afora, de sentir falta da magia do futebol — finalizou.
Assim como o futebol, a moda é para todos

A coleção traz referências nostálgicas do futebol brasileiro (Foto: Felipe Costa/PELEJA)
E além desse resgate, protestos mais ríspidos ganham espaço em meio ao tom bem humorado e sarcástico de boa parte das peças da nova coleção da Piet. Faixas com escritas como “fala em português” e “boyzão” questionam a elitização da moda e do futebol, além de críticas diretas ao modus operandi estrangeiro de usurpar tendências que fazem parte da cultura popular brasileira.
Vide o bloke core, tendência do momento que nada mais é do que o uso de camisas de time de futebol em looks casuais. Essa é uma prática comum há décadas nas periferias brasileiras, mas que se popularizou através desse termo em meados de 2022 por meio de uma ótica eurocentrada.
Futebol é forma de expressão! Moda? Também! E ninguém se expressa melhor do que o povo, munido de suas referências e memórias! Por isso, movimentos como esse são importantes, porque ampliam essas formas de expressão e nos dão novas possibilidades. Ao contrário da ideia elitista que prevê esses espaços como excludentes e conservadores.