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16 de abr. de 2025

Como um clube criado por portugueses se tornou símbolo do antirracismo

O PELEJA buscou entender como o passado português do Vasco se relaciona com sua luta contra o racismo.

por

Maria Tereza Santos

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O primeiro clube esportivo no Brasil a ter um presidente negro. O primeiro campeão carioca com jogadores negros no elenco. Dono de um estádio no entorno de uma favela na zona norte do Rio de Janeiro. 


O Vasco possui uma história única no futebol brasileiro e tem como marca a defesa de bandeiras contra preconceitos de forma geral, especialmente na luta antirracista.


Mas vira e mexe alguém solta o seguinte apontamento, principalmente nas redes sociais: o Vasco paga de militante, mas foi fundado por colonizadores.


Afinal, o Vasco foi mesmo fundado por colonizadores?


O Vasco foi criado em 1898, nove anos após a Proclamação da República. Naquele período, havia uma rejeição muito grande contra a população portuguesa no Brasil.


O comunicólogo Vinicius de Oliveira, do Rio de Janeiro, relata que quando o Brasil deixou de ser império, “o português foi visto como o inimigo número um, como é o modus operandi de tantas estratégias de governo”.


— Tinha muitos relatos de agressão, de espancamento no centro, teve mortes (de portugueses) e tudo mais. E isso gerou uma necessidade na comunidade portuguesa de se juntar para criar símbolos de orgulho para quem era português e morava no Brasil — conta ele.


O Vasco é fundado dentro desse contexto histórico. O historiador Walmer Peres Santana, Coordenador do Centro de Memória do CRVG, explica que o clube nasceu com dois grandes objetivos. O primeiro deles era ser um espaço para a congregação e a conciliação entre brasileiros e lusitanos.


— O Vasco também vai ser fundado para ser instrumento de ressignificação da imagem pública ou simbólica do imigrante português no Rio de Janeiro, que era muito ligado ao atraso civilizacional e à decadência. Essa é uma marca da Primeira República, o anti-lusitanismo, o ódio ao lusitano — completa o historiador.



Ambulantes no largo do Paço, morro do Castelo ao fundo. Sem data. Domínio Público. (Imagem: Gomes Junior/Acervo: Instituto Moreira Salles)

A grande estratégia dos dirigentes do Vasco para cumprir esses objetivos era alcançar a grandeza esportiva através do diálogo com as camadas populares.


— E quem são esses lusitanos que junto com brasileiros vão fundar esse clube? A sua maioria são imigrantes portugueses de baixa condição social, que vieram do norte de Portugal para tentar melhores condições de vida aqui no Brasil, na sua capital, Rio de Janeiro.


O historiador relata que mesmo os sócios mais abastados do clube naquele momento se tornaram bem-sucedidos apenas quando chegaram no Brasil. Essa camada da população era chamada de “elite de vassoura”, que era o nome dado às pessoas que enriqueceram trabalhando com comércio.


A historiadora Vitória Oliveira, coautora do livro “1898 em Diante - A História do Vasco”, contou ao PELEJA que a maioria dos portugueses envolvidos na fundação era da região da Saúde, do Santo Cristo, “que hoje é uma região central, mas antigamente aquilo ali era visto como a escória do centro do Rio”.


— Obviamente essas pessoas eram, frente aos negros, mestiços e tudo mais, beneficiadas dentro daquela política pós-escravocrata. Elas eram realmente beneficiadas. Só que se a gente parar para pensar em raça, em classe e tudo mais que envolve essa interseccionalidade… No Brasil de 2025, a gente também tem algumas figuras mega controversas — contextualiza Vitória.


A problematização das caravelas


Um tópico sensível que pode incomodar até mesmo torcedores do Vasco é o fato de o clube homenagear com o próprio nome e escudo a história das navegações portuguesas que são parte do contexto de “descobrimento” de países e da ida de europeus para a Ásia.


Mas por que os fundadores do Vasco decidiram homenagear este personagem em específico e não, por exemplo, Pedro Álvares Cabral ou Luís Vaz de Camões? Por que em 1898 comemorou-se os 400 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia, o que originou a rota marítima que revolucionou o comércio de especiarias naquela época.


— Esse grande feito, 400 anos depois, estava sendo comemorado especialmente pela colônia portuguesa. É nesse ambiente festivo, de contemplação a partir de um olhar romântico da história e não de uma visão colonial (que o clube é criado). Esses fundadores usam esse clima para poder atrair a colônia portuguesa para esse novo time. E resolve homenagear, a partir de uma visão romântica da história de Portugal, o maior herói do país deles, que era Vasco da Gama — diz Walmer.



JORNAL ÚNICO: Celebração do Quarto Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia por Vasco da Gama. Macau: N.T. Fernandes e Filhos e Noronha & Ca, 1898. (Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal)

Dados compartilhados pelo próprio Vasco mostram que a colônia portuguesa representava a maior parte dos estrangeiros que moravam no Rio de Janeiro naquele período.


Em 1890, 51,2% da população carioca tinha ascendência portuguesa. Comparando os dados censitários dos dois países, o Centro de Memórias do Vasco constatou que a capital brasileira tinha mais portugueses do que a maioria das cidades lusitanas entre 1890 e 1920, na área continental de Portugal.


— Então, esses portugueses fazem parte do período da grande imigração, contextualizado historicamente num período específico da história. Não são os portugueses do século 15, 16. É um outro contexto histórico — diz Walmer.



Emigrantes portugueses a bordo de navio, dirigindo-se para o Brasil, no início do século 20 (Foto:  Wikimedia Commons)

— Um dos principais erros de um profissional historiador é ser anacrônico. Você não pode analisar o passado tomando como parâmetro a contemporaneidade — acrescenta.


Vitória, por exemplo, enxerga a figura das caravanas super problemática, mas entende que o Vasco é muito mais que isso.


— Tenho que entender essas nuances vascaínas e do Brasil. Tem que abraçar a contradição. Não é sobre ser certo ou ser errado, mas é essa história do Brasil. Eu evito comprar coisas de caravelas porque eu acho um símbolo horrível. Só que o Vasco é mais do que esse logotipo de uma caravela, sabe? Mas infelizmente isso existe e vamos abraçar essa hipocrisia, vamos entender que ela existe.


O combate ao preconceito sempre fez parte do Vasco


Em 2022, o Vasco lançou um trio de camisas especiais que recontam a história do clube em suas peculiaridades. Dentre as três, a que ganhou mais destaque foi a camisa preta, criada em homenagem aos Camisas Negras.


A vestimenta chegou a ser escolhida como a camisa de time mais bonita do ano no mundo inteiro, na votação anual feita pelo Classic Football Shirts.



As belíssimas camisas lançadas pelo Vasco em 2022 (Foto: Thiago Martini/Vasco)

Mas além dela, houve uma camisa criada justamente para reviver o elo entre Vasco e suas origens portuguesas. A terceira peça da coleção era vermelha, com detalhes verdes e dourados, remetendo à bandeira de Portugal.


— (Através dessa campanha) A gente consegue entender melhor como o Vasco tem as suas contradições olhando de fora. Mas olhando de dentro, meio que tudo se encaixa, né? E isso é uma busca interessante que a gente tem pela questão de identidade — relata Vinicius, que participou da criação da campanha.


O comunicólogo conta que o objetivo da campanha focada na terceira camisa era reforçar que o Vasco nasceu como um time dos operários e desassociar da ideia que vincula a herança portuguesa do clube com um império escravocrata.


Para Vinicius, a história do Vasco, um clube com origens portuguesas que abraça as pautas sociais, ajuda inclusive a explicar a identidade brasileira.


— O Brasil, por ter sido uma colônia, tem uma dificuldade de criação de identidade própria. Você não olha pro Brasil e fala como uma coisa única, ele é muito diverso e plural. E eu acho que a torcida do Vasco tem muito a ver com isso — diz o comunicólogo.


— Não é por sobre ser bom ou ser ruim, mas essa é a história do Brasil que existe e a gente tem que aprender a lidar com essa identidade nacional, que eu acredito que ainda não está formada. E eu acho que isso tem muito a ver com a história do Vasco, sabe? Se a gente, enquanto brasileiros, enquanto uma identidade nacional, não consegue decidir os nossos heróis nacionais, porque que no Vasco seria diferente? O Vasco não é uma bolha separada do Brasil — complementa Vitória.


Walmer relembra também que, ao contrário de antigos clubes fundados por ingleses e franceses, que eram fechados apenas para esse estrato da população, acabaram. O Vasco, por sua vez, se mantém vivo até hoje.


— Desde a sua origem, é um clube que está preocupado em combater o preconceito de forma geral. O diálogo com as camadas populares. E é um clube aberto ao diálogo, não é um clube fechado, como existiam clubes de franceses, clubes de ingleses, que acabaram. O Vasco nunca teve esse desvio, ele sempre foi um clube de todas as nacionalidades — conclui Walmer.


Diante disso, o uso do argumento de o Vasco ter sido fundado por portugueses como forma de desmoralizar as ações sociais do clube caem por terra. O combate ao preconceito é intrínseco ao clube e está presente na sua história desde a sua fundação.


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